terça-feira, 27 de abril de 2010

Possuímos sete sentidos: tato, paladar, olfato, visão, audição, movimento e equilíbrio. Podemos classificar os tres primeiros num só conjunto, o dos sentidos que são ativados por células externas especializadas, que recebem o estímulo e o enviam ao cérebro para decodificação. A visão tem mecânica diferente, e a audição também.
Os dois últimos sentidos são extremamente importantes para que possamos compreender a importância do treino dos rituais autistas. No interior do ouvido, dois sacos (as utrículas) estão unidos entre si por tres canais semicirculares. Dentro deles, há líquido. Nas paredes desses canais, finíssimos pelinhos. Quando nos movimentamos, o líquido é impulsionados na direção contrária ao movimento, dobram os pelinhos sensores que, por sua vez, enviam esse sinal ao cérebro. Este último calcula a direção e a velocidade do movimento pela intensidade com que os pelos foram dobrados.
O autismo provoca um amadurecimento atípico no sistema nervoso central. Embora o sistema das utrículas esteja pronto, a comunicação com o cérebro ainda não está perfeitamente estabelecida. Para que esse rede se forme e amadureça, é preciso treinamento.
Pergunta: voce conhece treinamento mais eficaz para o sentido do equilíbrio do que girar, girar e girar? e conhece treinamento melhor para o movimento do que andar na ponta dos pés? O ato de girar faz com que os sensores dentro dos canais das utrículas permaneçam vergados, e a comunicação com o cérebro fique acesa por um tempo relativamente longo, a fim de que a rede de neurônios se forme e se torne contumaz.
Ideias novas são dificeis de deglutir, mas são necessárias ao início da discussão. Não precisamos, hoje, com o avanço da neurociência, sofrer a via-crucis que sofreram os Odoni na busca do óleo de Lorenzo. Funciona assim: pensamos unicamente para fundamentar uma crença; fundamentada a crença, a dúvida desaparece; sem dúvidas, criamos o hábito. Não se modifica um hábito atacando o próprio hábito, muda-se um hábito atacando a crença que lhe dá origem. Criamos diversos hábitos sobre nossas intervenções em autistas. Temos que questionar nossas crenças, porque essas intervenções não têm trazido grandes ganhos.
Futuramente, posso mostrar, se possível, os ganhos que esta nova visão tem trazido.

sábado, 24 de abril de 2010

O Dom do Autismo

O Dom do Autismo é um projeto em andamento na cidade de São Vicente, São Paulo, Brasil, hospedado pela AMADEF (Associação de Mães de Deficientes) - amadef@uol.com.br, desenvolvido por mim, Manuel Vázquez Gil, mestre e doutor em psicanálise Clínica, portador de Síndrome de Asperger, pai de um menino autissta, e neófito nessas coisas de blogueiro (mas vou aprender na prática, ou não, mas vou tentar)
Tal projeto vem se tornando referência, devido a algumas peculiaridades que 12.000 horas de pesquisa e convivência me emprestaram:
1 - é desenvolvido para a capacitação de cuidadores e profissionais;
2 - considera os rituais dos autistas como funcionais e necessários para seu desenvolvimento e, portanto, não cuida da sua extinção, mas o cuidador aceita e imita esses rituais, quando eliciados pela criança;
3 - essa capacitação é feita em oficinas, com duração de oito horas médias, onde os participantes são convidados a se tornar autistas, entender seu pensamento e suas ações.
4 - o autismo é visto como um dom a ser descoberto, e não como uma doença a ser tratada.
5 - A visão é o conceito grego de autista : "aquele que se faz a si mesmo"

Publico aqui pequeno exemplo:
"Acompanhe: uma criança começa a balançar as mãos, em círculo, continuamente. O movimento dos membros é controlado pela medula espinhal, quando está automatizado, liberando o cérebro para funçõs mais nobres. O menino, então, balança as mãos em círculo, coordenando o movimento dos dois braços. Sua idade mental sugere que o cérebro está no comando do movimento, mas sua medula vai automatizar o movimento, após treino, movimento necessário para diversas tarefas futuras. Neurônios cerebrais estão fazendo sinapses, criando uma re de neuronal que se estende até à coluna vertebral. Vamos nominar os movimentos: os braços giram (coordenação motora ampla); as mãos sincronizam esses movimentos (coordenação motora fina); os olhos acompanham o movimento (coordenação visuo-motora), enviando retro-alimentação ao cérebro (percepção). Aí você vai lá e interrompe os movimentos, conforme orientação. perdeu-se a rede neuronal, ele vai precisar recomeçar tudo, se não desistir.
Mas... você não interrompe. Agacha-se diante dele e o imita. ele percebe.então, lentamente, voce muda a intensidade, ou a direção dos movimentos. Ele acompanha (imitação). Você segue nesse exercício prazeroso até que ele desista. Bate palmas, fala parabéns, elogia a performance dele. Ele sorri (compreensão verbal). Você o abraça, ele diz alguma coisa (performance verbal). A empatia está criada, entre voces, qualquer coisa agora pode ser possível. Num simples e singelo exercício, proposto por ele, todos os sete ítens do desenvolvimento infantil foram preenchidos, sem dor e sem stress. E você vai perceber que esse ritual vai diminuindo de intensidade, até que a medula assume e ele se extingue, naturalmente.